Dois casos de sarampo detetados neste mês, em Portugal, e o aumento alarmante de surtos na Europa, obrigam a uma vigilância atenta. As crianças mais pequenas são aquelas que estão mais em risco de desenvolverem doença grave, por não terem a imunidade totalmente definida, mas o facto de a taxa de vacinação infantil do nosso País ser das mais elevadas na Europa confere alguma tranquilidade. “Não corremos o risco de termos surtos de sarampo mais graves, como acontece, por exemplo, no Reino Unido, porque a nossa taxa de cobertura vacinal é extremamente alta e protege a nossa população de forma muito alargada”, aponta Gustavo Tato Borges, presidente da presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública (ANMSP).
No primeiro ano de vida, 98% a 99% das crianças foram vacinadas com todas as vacinas e doses previstas no Plano Nacional de Vacinação (PNV) para essa faixa etária. A cobertura vacinal nas crianças até aos sete anos de idade também foi elevada, ultrapassando a meta dos 95% na maioria das vacinas, enquanto nos adolescentes ficou em mais de 90% e nos adultos acima dos 80%, adiantou à Lusa a Direção-Geral da Saúde (DGS) na avaliação de 2022 do programa, apresentada no ano passado. Mesmo durante a pandemia, a descida não foi significativa.
A maioria das pessoas nascidas antes de 1970 está protegida por ter tido a doença, ao passo que a maioria das pessoas nascidas depois de 1970 está protegida por ter sido vacinada. Para se garantir a imunidade coletiva, a percentagem de população totalmente vacinada (ou que tem imunidade natural e não tem risco de desenvolver doença grave e transmitir a doença) tem de ser, pelo menos, de 95%, o que se verifica. Portugal é, assim, um dos poucos países que conseguiu erradicar o sarampo.
“O PNV é extremamente bem aceite pela população portuguesa e há um acompanhamento muito próximo dos centros de saúde, no que diz respeito às crianças”, indica o presidente da ANMSP. “Os únicos casos que vão aparecendo de sarampo são importados.” Foi o que aconteceu no passado dia 11, com uma criança de 20 meses, na Região de Lisboa e Vale do Tejo, que contagiou outra criança de 7 anos (da mesma família), identificada no dia 18, ambas não residentes em Portugal e não vacinadas. “Há uma garantia de segurança forte para a população portuguesa, mas que não nos pode deixar descansados, confiantes nesse resultado… por isso é que temos um sistema de vigilância epidemiológica, com profissionais treinados, que anda ativamente à procura de casos que possam ter uma sintomatologia significativa”, acrescenta.
Os sinais iniciais do sarampo podem confundir-se com outras doenças, até porque os profissionais de saúde mais jovens só conhecem esta infeção provocada por um vírus dos manuais escolares. Falamos de sintomas inespecíficos como febre e mal-estar, seguido de corrimento nasal, conjuntivite, tosse e, nalgumas situações, podem surgir pontos brancos no interior da bochecha. Um ou dois dias depois é que aparecem as erupções cutâneas (“manchas” que se iniciam na face e que depois se espalham para o tronco e para os membros), febre alta e estado de extremo cansaço físico e psíquico.
“A grande preocupação é com as crianças que ainda não estão vacinadas”, refere Gustavo Tato Borges. O esquema vacinal português, recorde-se, prevê uma dose aos 12 meses e outra aos cinco anos de idade, e até estar concluído, correm o risco de desenvolver uma doença grave.
O contágio pode ocorrer desde quatro dias antes e até quatro dias após o início da erupção cutânea. “Daí a necessidade de se fazer um rastreio alargado dos contatos e uma identificação muito rápida, porque basta estar na mesma sala que uma pessoa com sarampo para vir a desenvolver a doença – e nem sequer precisa estar muito próximo ou por um período elevado de tempo”, adverte o clínico. Nos dois casos detetados recentemente em Portugal, houve uma “investigação detalhada da situação que inclui a recolha de informação clínica, laboratorial e epidemiológica do caso, a investigação da sua origem, a identificação dos contactos próximos na comunidade e a aplicação das medidas de controlo adequadas”, referiu o comunicado da DGS.
“É uma doença altamente infecciosa e, nos casos de pessoas não vacinadas, pode levar à morte”, alerta o presidente da ANMSP. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), “mais de 30 000 casos de sarampo foram notificados por 40 dos 53 Estados-Membros da Europa entre janeiro e outubro de 2023. Em comparação com os 941 casos notificados em todo o ano de 2022, isto representa um aumento de mais de 30 vezes”. Houve também “quase 21 000 hospitalizações e 5 mortes relacionadas com o sarampo. Isto é preocupante”, explicou Hans Henri P. Kluge, diretor regional da OMS para a Europa. “A vacinação é a única forma de proteger as crianças desta doença potencialmente perigosa”, salientou.
“Até ao momento, em Portugal, os movimentos anti-vacinação não têm uma expressão significativa… quem sofreu mais foi a vacina da Covid-19, muito pela disseminação de informação falsa nas redes sociais, as restantes têm uma tradição de inoculação muito grande e temos resultados muito práticos da sua mais-valia”, sublinha Gustavo Tato Borges. “Esperemos que os pais portugueses não se deixem contaminar por essas teorias da conspiração.”